"...falta-nos ainda desenvolver muito mais o esforço sistemático de organizar as comunidades, dotando-as de informação e poder para promoverem ideias e métodos que não provenham tanto dos gabinetes, mas sim da experiência direta daqueles que sentem o problema na carne..." - Prof. Amartya Sen em prefácio da obra Da Pobreza ao Poder

domingo, 21 de novembro de 2010

Antes que a educação privada seja engolida pelo mercado... - Bruno Martinelli


Luiz Gustavo Bambini de Assis muito bem alertou para a necessidade de controle estatal sobre a educação privada em seu artigo A natureza jurídica do serviço prestado pelas instituições privadas de ensino” (disponível em: <http://www.comciencia.br/comciencia/handler.php?section=8&edicao=49&id=607>), argumentando que mesmo prestado por privados este serviço não perde suas características de serviço público. Além disso, nossa Constituição mostra claramente no Art. 209, que as condições para essa modalidade de prestação devem cumprir as normas gerais da educação nacional e submeter-se à autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público. Da perspectiva da gestão, como o Estado pode controlar e garantir a qualidade dos estabelecimentos privados de ensino básico, cumprindo assim seus deveres legais?
Educação básica pública no Brasil parece ter entrado no sistema de proteção social. Os mais pobres, que não têm como pagar, ficam com as escolas públicas, contando com piores recursos. Por sua vez, os filhos da classe média e a alta, em sua grande maioria, ficam com escolas particulares dos mais variados níveis, contando com uma estrutura melhor e acesso à diversos recursos. Uma pequena parcela das classes mais baixas também consegue acesso a essas escolas através de bolsas ou com muito esforço da família, mas são raras exceções.
Será que isso garante que os estabelecimentos privados estejam livres de perversidades? De fato, não. São os que mais sujeitos a elas estão. Educação privada virou sinônimo de mercadoria, para todos os gostos. Tem escola que passa de ano sem cobrar muito do aluno, tem aquela que aprova no vestibular, deixando de lado a formação humanística, a outra topa tudo e por aí vai. A ética parece ter sido deixada para trás e a Constituição rasgada por certas instituições, o que pode ser verificado em qualquer conversa de professores ou alunos. Entretanto, deve-se fazer justiça e dizer que ainda existem escolas com uma formação mais abrangente e séria.
O que mais revolta é que na cidade mais desenvolvida do país existem escolas privadas que mandam professores aprovares seus alunos de maneira arbitrária, apenas para garantir a matrícula no ano seguinte. Esses, coagidos, com medo das ameaças de perder o emprego, se calam e fazem! Além disso, muitos não são registrados, ficando à margem de seus direitos. Muitos pais, desrespeitando valores são convergentes a essas atitudes, apenas para garantir que o filho passe de ano, sem se importar com o tipo de cidadão que estão criando. No final das contas, quem são os mais prejudicados são os alunos, que muitas vezes se tornam cidadãos repudiáveis, e a sociedade como um todo, que continua a ver os ismos brasileiros se reproduzindo. Dificilmente a lógica do mercado pode ser capaz de dar conta deste problema sem uma atuação do Estado, pois ela está voltada para o consumo, e não para o aprendizado.
Basta! O Estado deveria criar uma agência de regulação deste serviço, assim como faz com tudo o que permite ao privado operar. Deve proteger nossas crianças e adolescentes da mão de pais e diretores irresponsáveis, parar de permitir que o mercado tome conta do que deveria público e de qualidade a todos. Mais que isso, deve criar e divulgar espaços de denúncia efetivos, mostrando aos alunos a importância de um ensino de qualidade que deve ser prestado sobre os interesses individualistas de apenas passar de ano ter o mínimo de capacidade para tal. Outra saída poderia ser fortalecer as secretarias de ensino regionais já existentes, dando a elas mais recursos para cumprir os deveres do Estado. Contudo, qualquer que seja a opção, deve-se tomar cuidado para não haver uma intervenção autoritária, que restrinja e liberdade de opinião, e criar mecanismos de transparência no processo, invertendo a lógica do mercado.

Nenhum comentário:

Postar um comentário