"...falta-nos ainda desenvolver muito mais o esforço sistemático de organizar as comunidades, dotando-as de informação e poder para promoverem ideias e métodos que não provenham tanto dos gabinetes, mas sim da experiência direta daqueles que sentem o problema na carne..." - Prof. Amartya Sen em prefácio da obra Da Pobreza ao Poder

domingo, 21 de novembro de 2010

Da exceção fez-se a regra: Breve discussão sobre as disfunções da burocracia brasileira - Amanda Theodoro


“Burocracia? Pra mim é quando precisamos ir a algum serviço ou repartição pública para resolver algum problema simples, mas que nas mãos da administração pública se torna um ‘bicho de sete cabeças’ que precisa de muito tempo, muitos recursos, muito trabalho, muitos papéis pra ser resolvido(...) É você estar numa fila pequena e demorar 3 horas pra ser atendido, é pedir autorização à prefeitura para podar a árvore na frente da sua casa e demorar  5 meses para receber a permissão (...), resumindo, quando envolve a  burocracia tudo fica mais difícil.”
Maria de Fátima, 55, professora aposentada

A opinião exposta acima é também a de muitas outras pessoas que recorrem à Administração Pública – direta ou indireta - para a manutenção ou solução de situações-problemas de interesse do cidadão e coletivo. E que ao fazê-lo se deparam com o que na verdade são DISFUNÇÕES BUROCRÁTICAS e não a BUROCRACIA em si. Já que segundo a concepção weberiana esta estrutura se deve pautar por princípios como: eficiência, impessoalidade, meritocracia, racionalidade e outros. Que visam, acima de tudo, favorecer a prestação de serviços de maneira eficiente ao cidadão e são contrários à impressão verificada no depoimento.
            As disfunções dar-se-iam, assim, quando às regras ou aos ocupantes dos cargos, que envolvem a realização de alguma tarefa, fosse dada maior importância que aos objetivos com os quais essas se comprometem. Tornando então, estes processos lentos, ineficientes e repleto de vícios. Cabendo a nós, assim, questionar: porque isto acontece? E por que no nosso caso deixou de ser a “exceção” para, muitas vezes, se tornar “a regra” da administração pública?
Neste sentido, encontramos uma simples e obvia resposta: O não cumprimento da lei.
            O capítulo VII da Constituição encarrega-se de estabelecer as diretrizes e os meios pelos quais será promovida a administração pública no Brasil. No artigo 37 que a introduz temos:
“A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (...)”
            Logo, podemos supor que não pela ausência de elementos em que se pautar dão-se os vícios que corroem o trabalho eficiente das administrações públicas. Mas, sobretudo, pela ausência de elementos culturais no comportamento social que favoreçam a boa execução da norma por parte dos administradores (burocratas e  políticos) e dos administrados (cidadãos), como anuncia Sergio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil:
No Brasil, pode-se dizer que só excepcionalmente tivemos um sistema administrativo e um corpo de funcionários puramente dedicados a interesses objetivos e fundados nesses interesses. Ao contrário, é possível acompanhar, ao longo de nossa história, o predomínio constante das vontades particulares que encontram seu ambiente próprio em círculos fechados e pouco acessíveis a uma ordenação impessoal (Holanda, 1936/1999).

Uma vez que são características particularmente brasileiras alguns aspectos como a sobreposição dos interesses privados em detrimento dos públicos (pessoalidade versus Impessoalidade); a naturalidade com que muitas vezes se trata o desrespeito à norma (ilegalidade versus legalidade); a falta de transparência e accountability (não publicização versus publicização); a ineficiência (versus Eficiência) da prestação dos serviços e outros, que por si só compõe à prática comum do convívio social e opõe-se em termos, aos princípios anunciados pelo artigo 37 da constituição (Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência). Tornando ainda mais complexa a supressão das disfunções burocráticas que acabam representando assim, a ‘vida real’ das instituições burocráticas brasileiras em detrimento do modelo de burocracia estabelecido ‘só no papel’.
            Neste sentido, ainda que sejam, por vezes, observados alguns avanços e inovações na gestão pública na tentativa de torná-la mais eficiente, eficaz e coerente aos princípios democráticos e às normas que a regulam, encontramo-nos ainda num contexto no qual o principal motor da mudança do quo será a promoção de alterações no comportamento social, capazes de desestabilizar o caráter particularista das relações, já bem caracterizado por Sergio Buarque - e melhor consolidar a concepção de espaço público e igualdade de direitos.
            Algo que, concordando com o antropólogo Roberto DaMatta, será decorrente de uma simples e direta adequação entre a prática social e o mundo jurídico. Adequação esta que, para o fortalecimento do modelo que se quer consolidar, não poderá contar simplesmente com a supressão ou acréscimo de especificidades da cultura brasileira ou do modelo burocrático weberiano ao sistema vigente, mas, principalmente, deverá contar com a junção de elementos de ambos os aspectos. O que, por sua vez, acabará criando um ambiente propício à consolidação de uma burocracia menos disfuncional, “rebuscada” e prolixa; à formação de administradores mais comprometidos com o propósito da prestação de serviços de interesse público e de cidadãos mais dispostos ao envolvimento e ao cumprimento consciente das normas.

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