No fundo, a Administração Pública sabe que sempre será um pouco privada. À luz de seu índex, pune a si e a muitos, mesmo que por vezes consciente de que a perversão sentenciada é filha de sua própria razão, e não mero desvio de planejamento à tangente ou infestação por inimigos da boa conduta. No Patrimonialismo, primeiro o Estado condena o pai, para depois ser condenado ou pelo filho ou pelo sobrinho do condenado.
Em 1991, quando ascendeu entre nós um Estado neoliberal, delegou-se à Cultura, a partir da Lei Rouanet, três mecanismos de gestão e apoio ao setor: um Fundo Nacional (FNC), um conjunto de Fundos para atividades culturais com potencialidade comercial (FICART), e um vantajoso mecanismo de renúncia fiscal. É deste último que embaso este trabalho.
O mecanismo de renúncia fiscal, em linhas gerais, funciona da seguinte forma: é facultado a pessoas físicas ou jurídicas de direito privado abater porcentagens fixas de seus impostos, - em especial, do Imposto sobre a Renda – através de financiamentos, mediante doações ou patrocínios, a atividades culturais que promovam o desenvolvimento dos mais diversos setores culturais nacionais. Disto, grandes organizações privadas vêem-se incentivadas ou a criarem suas próprias instituições privadas de direito público ou a patrocinarem, a partir de editais específicos de apoio, o setor cultural com recursos realocados de impostos de destinação pública.
O mecanismo pode até soar como um instrumento de desburocratização e publicização da Administração direta, porém, é em essência um simples velho-novo fenômeno que poderíamos alcunhar de “patrimonialismo legal”, ou nada mais que a gestão de recursos de destinação pública por organizações privadas que, detendo mecanismos legais de realocação de capitais culturais, criam editais específicos com regras pessoais para patrocinar atividades que não necessariamente se relacionem às principais demandas culturais sociais, mas essencialmente a finalidades privadas de natureza econômica e política que gerem-na marca com valor social agregado.
Entre os cancros culturais inerentes a tal dirigismo privado de recursos públicos estão: a) a impossibilidade de ruptura com um sistema de gestão cultural que infalivelmente se mantenha atrelado às regiões socioeconômicas mais fortes, no caso Sudeste e Sul, sedes das principais organizações privadas nacionais e mais fortes captadores de recursos. Deste cenário, como inevitabilidade, temos que 80% dos recursos destinados à cultura estão em atividades destas regiões, perpetuando a compreensão da cultura como instrumento de poder; b) o desincentivo ao investimento, por grandes organizações, de capitais de fato privados, contribuindo à dinâmica do setor. Ressalta-se aqui que 3% dos proponentes gerem 50% dos recursos culturais nacionais, sendo que apenas 1 em cada 10 reais é de fato privado. Tal cenário entrava fortemente o desenvolvimento inovador de novas produções independentes, configurando um setor oligopolizado
Por fim, destaco me parecer claro que qualquer que seja a solução debatida ou mesmo encontrada, esta não deverá mera e ingenuamente desconsiderar ou minorar a essencialidade dos mecanismos de renúncia fiscal por simplesmente, da forma como geridos, conduzirem a apropriações privadas, disparidade entre setores culturais, entre outras problemáticas. Caberá, pois, sustentar e direcionar a legislação específica a meios mais transparentes e fortificados de gestão conjunta de mecanismos públicos e privados, desenvolvendo um cenário com real pluralidade de possibilidades e caminhos. Como metaforizado, a Administração pública saberá sempre que uma parte dela é e/ou será privada, cabendo, portanto, torná-la uma lógica de eficiência e não de apropriação.
A ampliação e solidificação do FNC e em especial dos Ficarts – infelizmente relegados a papel muito secundário e não plenamente implementados – deverá, e felizmente vêm o sendo – posta em pauta. Novas relações entre o público e o privado deverão também ser incentivadas, destacando-se as P.P.Ps.
O papel da Administração Pública deverá ser melhor compreendido e condizente ao nosso tempo: seu relacionamento com os setores privados, de finalidade pública ou não, deverá criar novos laços. Do pensamento fortemente arraigado a concepções neoliberais de um Estado mínimo, que delega atribuições, publiciza competências e se apresenta como agente externo de finalidade meramente reguladora, a um Estado gestor, repensado e atuante, que não se posicione nem como um agente externo distante nem como uma massa amorfa, pesada e inchada.
Em 1991, quando ascendeu entre nós um Estado neoliberal, delegou-se à Cultura, a partir da Lei Rouanet, três mecanismos de gestão e apoio ao setor: um Fundo Nacional (FNC), um conjunto de Fundos para atividades culturais com potencialidade comercial (FICART), e um vantajoso mecanismo de renúncia fiscal. É deste último que embaso este trabalho.
O mecanismo de renúncia fiscal, em linhas gerais, funciona da seguinte forma: é facultado a pessoas físicas ou jurídicas de direito privado abater porcentagens fixas de seus impostos, - em especial, do Imposto sobre a Renda – através de financiamentos, mediante doações ou patrocínios, a atividades culturais que promovam o desenvolvimento dos mais diversos setores culturais nacionais. Disto, grandes organizações privadas vêem-se incentivadas ou a criarem suas próprias instituições privadas de direito público ou a patrocinarem, a partir de editais específicos de apoio, o setor cultural com recursos realocados de impostos de destinação pública.
O mecanismo pode até soar como um instrumento de desburocratização e publicização da Administração direta, porém, é em essência um simples velho-novo fenômeno que poderíamos alcunhar de “patrimonialismo legal”, ou nada mais que a gestão de recursos de destinação pública por organizações privadas que, detendo mecanismos legais de realocação de capitais culturais, criam editais específicos com regras pessoais para patrocinar atividades que não necessariamente se relacionem às principais demandas culturais sociais, mas essencialmente a finalidades privadas de natureza econômica e política que gerem-na marca com valor social agregado.
Entre os cancros culturais inerentes a tal dirigismo privado de recursos públicos estão: a) a impossibilidade de ruptura com um sistema de gestão cultural que infalivelmente se mantenha atrelado às regiões socioeconômicas mais fortes, no caso Sudeste e Sul, sedes das principais organizações privadas nacionais e mais fortes captadores de recursos. Deste cenário, como inevitabilidade, temos que 80% dos recursos destinados à cultura estão em atividades destas regiões, perpetuando a compreensão da cultura como instrumento de poder; b) o desincentivo ao investimento, por grandes organizações, de capitais de fato privados, contribuindo à dinâmica do setor. Ressalta-se aqui que 3% dos proponentes gerem 50% dos recursos culturais nacionais, sendo que apenas 1 em cada 10 reais é de fato privado. Tal cenário entrava fortemente o desenvolvimento inovador de novas produções independentes, configurando um setor oligopolizado
Por fim, destaco me parecer claro que qualquer que seja a solução debatida ou mesmo encontrada, esta não deverá mera e ingenuamente desconsiderar ou minorar a essencialidade dos mecanismos de renúncia fiscal por simplesmente, da forma como geridos, conduzirem a apropriações privadas, disparidade entre setores culturais, entre outras problemáticas. Caberá, pois, sustentar e direcionar a legislação específica a meios mais transparentes e fortificados de gestão conjunta de mecanismos públicos e privados, desenvolvendo um cenário com real pluralidade de possibilidades e caminhos. Como metaforizado, a Administração pública saberá sempre que uma parte dela é e/ou será privada, cabendo, portanto, torná-la uma lógica de eficiência e não de apropriação.
A ampliação e solidificação do FNC e em especial dos Ficarts – infelizmente relegados a papel muito secundário e não plenamente implementados – deverá, e felizmente vêm o sendo – posta em pauta. Novas relações entre o público e o privado deverão também ser incentivadas, destacando-se as P.P.Ps.
O papel da Administração Pública deverá ser melhor compreendido e condizente ao nosso tempo: seu relacionamento com os setores privados, de finalidade pública ou não, deverá criar novos laços. Do pensamento fortemente arraigado a concepções neoliberais de um Estado mínimo, que delega atribuições, publiciza competências e se apresenta como agente externo de finalidade meramente reguladora, a um Estado gestor, repensado e atuante, que não se posicione nem como um agente externo distante nem como uma massa amorfa, pesada e inchada.
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