"...falta-nos ainda desenvolver muito mais o esforço sistemático de organizar as comunidades, dotando-as de informação e poder para promoverem ideias e métodos que não provenham tanto dos gabinetes, mas sim da experiência direta daqueles que sentem o problema na carne..." - Prof. Amartya Sen em prefácio da obra Da Pobreza ao Poder

domingo, 21 de novembro de 2010

Quando muitos superam alguns - André Rossi


O poder traz consigo grandes responsabilidades. A efetuação do processo administrativo, na esfera pública é, em teoria, fruto da decisão dos atores políticos, ocupantes dos cargos de grande competência administrativa e com o claro poder de influenciar a vida de todo cidadão, uma vez que promove políticas públicas para a sociedade. No entanto, a burocracia, surge, cada vez mais, como um personagem de grande impacto para o cumprimento das ações governamentais e que contribui fortemente para a descentralização do poder.
Com o intuito de promover serviços essenciais para a sociedade há de se ressaltar que a relação de Estado e sociedade se difere do âmbito privado. As empresas, por mais que, muitas das vezes, promovam o bem público, imprimem uma relação de consumo para com a sociedade, onde quem pode pagar tem o serviço prestado. Já no âmbito público, a função do Estado é garantir a universalização do atendimento ao cidadão, ou seja, garantir e efetivar a norma Constitucional e todos os Direitos Sociais nela prescritos. Mediante as relações interpessoais e interinstitucionais em que se baseia a sociedade, quem tem poder tem autonomia.
Torna-se, o poder, objeto de desejo, pois sugere liberdade, capacidade de agir sem restrições. No entanto, ao passo que dele existem o provido e o desprovido, para que os conflitos internos sejam minimizados são formulados regras e limites dessa capacidade de agir. Para tanto, evidencia-se a competência a que se destina a Constituição, e seus mecanismos de controle de ação. Uma série de normas que servirão de aparato social na busca por clareza das condições públicas. A democracia, por meio do sufrágio, aparece também como ferramenta controladora do poder, uma vez que enaltece a “soberania popular” ao decidir os rumos da política renovando ou destituindo o sujeito ocupante dos cargos públicos, periodicamente, como manda a Lei. Constituição e democracia são, portanto, imprescindíveis no jogo político. São aliadas ferrenhas da sociedade para o devido controle daquele que exerce uma função de poder no corpo público administrativo.
É interessante mencionar que a melhoria dos mecanismos de controle engrandece a responsabilização pelas ações da governança e minam, gradativamente, a manutenção do erro e da disfunção administrativa. Nessa medida, o corpo técnico e toda a sua especialização que suporta a esfera pública ganha espaço quando traz a “profissionalização” aos programas de governo. Assim o poder da tecnocracia aumenta cada vez mais devido sua contribuição efetiva para a administração pública.
A burocracia, com seu caráter meritocrático, concentra um papel interessante e passa a ser uma variável considerada pelos políticos ao tomarem suas decisões de governança. Os representantes da burocracia assumem função pública e sua meritocracia pode ser compreendida na leitura do segundo inciso do artigo 37 da Constituição Federal, que estipula o seguinte texto: “A investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração”. Não menos importante está a impessoalidade de tais concursos, garantindo assim a existencia de igualdade de condições e de competição entre os concorrentes em um processo de seleção bastante democrático.
Observa-se então que os mecanismos de controle e responsabilização de ações governamentais (accountability) fortalecem a descentralização do poder, cada vez mais necessária, entre atores políticos e, portanto, beneficia o melhor manejo das funções administrativas na esfera pública. A função mais nobre do Estado é promover o bem-estar social. A inserção de um modelo estrutural de grande abertura e incentivo à tecnocracia contribue também para a validação do conceito de servidão pública que destitui o “ser” político em detrimento do “estar” político, uma deturpação muito presente na gestão pública brasileira.
A evocação de um modelo administrativo mais “racional”, por assim dizer, que limita o deleite de alguns poucos poderosos pode ser o caminho para a construção de programas sólidos que promoverão verdadeiramente o crescimento do país. Para tanto é essencial o fomento da valorização de instrumentos de controle e responsabilização contundentes como são a Constituição Federal e a democracia.

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