“Ninguém jamais viu o Estado. Não obstante, quem poderia negar que se trata de uma realidade? O lugar que ocupa em nossa vida cotidiana é tão importante, que não poderia ser eliminado dela sem que, por sua vez, se vissem comprometidas as nossas necessidades vitais. (...) Se a história do Estado resume nosso passado, sua existência atual parece prefigurar nosso futuro. Se às vezes o maldizemos, logo nos damos conta de que, para o bem ou para o mal, estamos ligados a ele.”
(Georges Burdeau)
A partir da Constituição de 1988 instituiu-se no Brasil o Estado Democrático de Direito, e as diversas funções estatais, imprescindíveis para a coletividade, foram repensadas e ampliadas. A partir da ampliação dos Direitos Sociais, previstos na Constituição, aumentou-se o escopo de atuação estatal, principalmente no que se refere à prestação de serviços públicos, que pode ocorrer de forma direta ou terceirizada.
A questão da prestação de serviços públicos por meio de terceirizações envolve um forte aspecto ideológico, uma vez que se trata de discutir o âmbito de participação do Estado no oferecimento de serviços à sociedade. Isto é, a terceirização dos serviços públicos está intimamente ligada ao debate sobre quais serviços devem ser prestados pelo Estado (PERIUS, 1997).
Segundo Hely Lopes Meirelles, renomado jurista brasileiro, o conceito de serviço público é variável e flutua de acordo com as necessidades políticas, econômicas, sociais e culturais de cada comunidade em dado momento histórico. Sendo assim, a questão da transferência da prestação de serviços públicos a terceiros implica em decidir quais serviços devem imprescindivelmente ser oferecidos pelo Estado e quais podem ser delegados.
Com foco no artigo Artigo 175 da Constituição Federal, serão considerados aqui dois regimes sob os quais os serviços públicos podem ser prestados de forma indireta: o de Concessão e o de Permissão.
“Art. 175 - Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.”
O regime de Concessão, normatizado pelas leis 8.987, de 13 de fevereiro de 1995 e 9.074, de 07 de julho de 1995, consiste na delegação a terceiros a execução de um serviço público, para que o executem por sua conta e risco, mediante tarifa paga pelo usuário ou outra forma de remuneração decorrente da exploração do serviço. Neste regime não se transfere a titularidade do serviço, mas apenas o seu exercício (PERIUS, 1997).
Já o regime de Permissão é regulamentado pela Lei Federal nº 8.987 e segundo o Art. 2, inciso IV desta lei, Permissão consiste na delegação à pessoa física ou jurídica da prestação de serviços públicos que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco.
Cada vez mais na Administração Pública surgem formas de terceirização de serviços e os setores em que mais se observa este fenômeno é o da Educação e o da Saúde (PERIUS, 1997). A prática da contratação de serviços terceirizados pelos entes públicos, portanto, é cada vez mais constante e apesar dos instrumentos normativos existentes sobre o tema, os mecanismos de controle ainda não são suficientes para evitar anomalias e falhas no processo de delegação dos serviços.
Nesse sentido, cabe ao Poder Público controlar e fiscalizar a delegação e a prestação de serviços públicos terceirizados. Conforme já mencionado Art. 175, mais especificamente no inciso IV o Poder Público tem a obrigação de manter o serviço delegado adequado, em concordância com o 1º parágrafo do Art. 6º da Lei 8.987/95 entende-se por um serviço adequado:
“§ 1º - Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas.”
No que se refere a mecanismos de fiscalização e controle dos serviços públicos terceirizados, o Decreto Lei 2271, já mencionado anteriormente, prevê no Art. 6º que se faz necessário um gestor responsável pelo acompanhamento e fiscalização da execução do serviço. Nesse contexto, o gestor adquire imensa importância, pois é ele o ator envolvido diretamente na fiscalização.
O debate sobre em que medida o Estado deve delegar serviços públicos é muito presente em diversos setores da sociedade. Enquanto uns argumentam a favor da expansão de um Estado que tome para si toda a responsabilidade pela prestação dos serviços públicos, outros afirmam que o Estado não é capaz de atender a todas as demandas por serviços da sociedade, e, portanto, a terceirização é inevitável.
Ambas as correntes detém argumentos relevantes e aspectos importantes a serem considerados. Contudo, mais do que debater o “tamanho do Estado” e o grau de terceirização dos serviços públicos é necessário discutir e atentar para o controle e para a fiscalização destes serviços. Pois, são o controle e a fiscalização que promoverão maior responsabilização do Estado e, por conseguinte, garantirão serviços públicos mais equânimes e de melhor qualidade, independente da forma e dos processos através dos quais estes serviços são ofertados á sociedade.
Debater quais as formas de garantir que o interesse da sociedade seja melhor atendido por meio de serviços eficientes e menos custosos à coletividade se faz mais relevante, portanto, que confrontar ideologias sobre o “tamanho” que o Estado deve ter.
Referências Bibliográficas
GARCIA, Flávio Amaral. Terceirização na Administração Pública. Repertório IOB de Jurisprudência - 2ª quinzena de março de 1995 - nº 6/95, p. 114).
PERIUS, Vergilio; A Terceirização de Serviços Públicos e o Tribunal de Constas do Estado do Rio Grande do Sul; 1997. Disponível em: www.tce.rs.gov.br/artigos/pdf/terceirizacao_tce.pdf (acessado em 14/11/2010)
Legislação Administrativa; Coleção Saraiva de Legislação; 6ª edição, 2010. Editora Saraiva
Constituição da República Federativa do Brasil; março de 2009; Editora Imprensa Oficial
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