"...falta-nos ainda desenvolver muito mais o esforço sistemático de organizar as comunidades, dotando-as de informação e poder para promoverem ideias e métodos que não provenham tanto dos gabinetes, mas sim da experiência direta daqueles que sentem o problema na carne..." - Prof. Amartya Sen em prefácio da obra Da Pobreza ao Poder

domingo, 21 de novembro de 2010

O processo licitatório e a questão da improbidade administrativa - Marcela Simões


O processo licitatório é um procedimento administrativo, disposto na lei n° 8.666, que regula o artigo 37, inciso XXI da Constituição Federal. “Neste procedimento a Administração Pública convoca, mediante condições estabelecidas em ato próprio (edital ou convite), empresas interessadas na apresentação de propostas para o oferecimento de bens e serviços”. (UFRJ – Licitações: Conceitos e Princípios).

“Art. 1o: Esta Lei estabelece normas gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”. (Lei 8.666 – 21 de junho de 1993).



    Subordinam-se ao regime desta Lei, além dos órgãos da administração direta; os fundos especiais, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

            “A licitação objetiva garantir a observância do princípio constitucional da isonomia e a selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração, de maneira a assegurar oportunidade igual a todos os interessados e possibilitar o comparecimento ao certame ao maior número possível de concorrentes”. (UFRJ – Licitações: Conceitos e Princípios).

              “De acordo com essa Lei, a celebração de contratos com terceiros na Administração Pública deve ser necessariamente precedida de licitação, ressalvadas as hipóteses de dispensa e de inexigibilidade de licitação”. (UFRJ – Licitações: Conceitos e Princípios).



Art. 2o: As obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações, concessões, permissões e locações da Administração Pública, quando contratadas com terceiros, serão necessariamente precedidas de licitação, ressalvadas as hipóteses previstas nesta Lei.



            Apesar de todo detalhamento e complexidade, a regulamentação do processo de licitação ainda sofre com ações corruptas, mesmo trazendo em seu corpo o princípio da probidade administrativa (ou da moralidade), de que a conduta dos licitantes e dos agentes públicos tem que ser, além de lícita, compatível com a moral, ética, os bons costumes e as regras da boa administração.

            Um exemplo muito atual deste tipo de ilegalidade é a operação “Carcará” da Polícia Federal. A investigação, com a ajuda da Controladoria Geral da União e do Ministério Público, chegou aos jornais nessa última quarta feira, dia 10 de Novembro de 2010. A operação prendeu 13 prefeitos de municípios baianos e outras 39 pessoas, dentre eles secretários municipais, servidores públicos e empresários, suspeitas de envolvimento num suposto esquema de desvio de verbas federais e fraude em licitações.

            “A CGU estima que o prejuízo aos cofres públicos chegue a R$ 60 milhões. A investigação teve início há mais de um ano, a partir de denúncias envolvendo a empresa Sustare Distribuidora de Alimentos Ltda, sediada em Itatim, e outras do mesmo grupo empresarial”. (Folha.com/poder).

            Segundo as notícias os suspeitos fraudaram licitações com acertos entre as empresas envolvidas, usaram notas fiscais frias e superfaturaram produtos e serviços, havendo indícios de desvio de verbas federais que seriam usadas para a compra de merenda escolar, medicamentos e obras públicas em 20 municípios baianos.

            Os suspeitos poderão responder por crimes como peculato e estelionato, formação de quadrilha, fraude a licitação, modificação ilegal do contrato e corrupção ativa e passiva.

            O crime de peculato, esta previsto pelo código penal, no artigo 312 caput 1°, que segue:


Art. 312 - Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio:
Pena - reclusão, de dois a doze anos, e multa.
§ 1º - Aplica-se a mesma pena, se o funcionário público, embora não tendo a posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou concorre para que seja subtraído, em proveito próprio ou alheio, valendo-se de facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário.



            Já os crimes de fraude a licitação estão previstos na lei 8.666, descrita acima, nos artigos 90 e 96, que seguem:



Art. 90.  Frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação:

Pena - detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.



Art. 96.  Fraudar, em prejuízo da Fazenda Pública, licitação instaurada para aquisição ou venda de bens ou mercadorias, ou contrato dela decorrente:

I - elevando arbitrariamente os preços;

II - vendendo, como verdadeira ou perfeita, mercadoria falsificada ou deteriorada;

III - entregando uma mercadoria por outra;

IV - alterando substância, qualidade ou quantidade da mercadoria fornecida;

V - tornando, por qualquer modo, injustamente, mais onerosa a proposta ou a execução do contrato:

Pena - detenção, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa



De acordo com o caput do artigo 317 do Código Penal Brasileiro, “solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função, ou antes, de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem” configura o tipo penal CORRUPÇÃO PASSIVA. Já o caput do artigo 333 do mesmo texto vem definindo da seguinte maneira a CORRUPÇÃO ATIVA: “Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício”.

Além dos crimes citados na reportagem, o artigo 1° do decreto Lei n°201, de 27 de Fevereiro de 1967, que regulamenta a responsabilidade dos prefeitos e vereadores, também foi violado. Segue:



Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipais, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores:

        I - apropriar-se de bens ou rendas públicas, ou desviá-los em proveito próprio ou alheio;

        Il - utilizar-se, indevidamente, em proveito próprio ou alheio, de bens, rendas ou serviços públicos;

        Ill - desviar, ou aplicar indevidamente, rendas ou verbas públicas;

        IV - empregar subvenções, auxílios, empréstimos ou recursos de qualquer natureza, em desacordo com os planos ou programas a que se destinam;

        V - ordenar ou efetuar despesas não autorizadas por lei, ou realizá-Ias em desacordo com as normas financeiras pertinentes;

       §1º Os crimes definidos neste artigo são de ação pública, punidos os dos itens I e II, com a pena de reclusão, de dois a doze anos, e os demais, com a pena de detenção, de três meses a três anos.

        § 2º A condenação definitiva em qualquer dos crimes definidos neste artigo, acarreta a perda de cargo e a inabilitação, pelo prazo de cinco anos, para o exercício de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação, sem prejuízo da reparação civil do dano causado ao patrimônio público ou particular.



            Só para dimensionar o tamanho desse desvio de verbas públicas, dividi-se o valor de 60 milhões, que foi desviado nessa ação corrupta, por 192 milhões (número de habitantes estimados pelo IBGE em 2010), chegando a um valor de R$ 0,30 centavos por habitante do país. Se dividirmos o mesmo valor agora por 15 milhões (número de habitantes do Estado da Bahia – IBGE 2010) esse valor sobe para R$ 4,00 reais por habitante baiano. Parece pouco, mas se pensarmos em uma família de cinco pessoas, esse valor já sobe para R$ 20,00 reais, desviados de merenda escolar e medicamentos.

            Conhecer a norma e as penalizações pelo não cumprimento da mesma deveria ser uma prática comum a todos os funcionários que compõe a máquina pública. Mais do que conhecer a norma, o sentido de accountability, ética, respeito pelo que é considerado público; seja isso bens, serviços ou recursos; e a noção de que ele trabalha para o “público” deveria estar presente na rotina de um funcionário público. O Brasil possui uma das mais completas e detalhadas legislações do mundo e apesar disso, não detém totalmente de políticos e burocratas com sentimento de responsabilização pelo patrimônio público. Enquanto isso não mudar, continuaremos presenciando esse tipo inadmissível de corrupção e percebendo que, muitas vezes, até mesmo a condenação desses criminosos não se dá da forma como prevista em lei.

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